*Por Anderson Souza
A narrativa do Gênese descreve que no ato da criação, após Deus ter criado praticamente todas as coisas (pelo menos para os criacionistas), Ele criou o ser humano; homem e mulher. O princípio relacional no que tange ao humano nasce praticamente junto com o ato criador. O ser humano não foi uma criação solitária.
Nos registros históricos mais arcaicos, as pessoas de uma maneira ou outra sempre estiveram juntas, direta ou indiretamente. De modo que o ser humano traz na sua essência a capacidade e a satisfação de se relacionar. Em detrimento a isso, observo que de fato as pessoas empreendem grandes esforços para se relacionar e evitar a solidão.
Talvez seja devido a essa carga relacional que a pessoa traz na existencialidade e na hereditariedade da vida a força motora para evitar a solidão. A solidão em geral apresenta-se como algo ruim, mal e pejorativo. A primeira impressão que se tem é que qualquer sujeito que goza de plena saúde psicológica é averso a solidão.
Indubitavelmente o processo do isolamento não é fácil, para não dizer avassalador e terrível; é ter a nítida sensação de estar trancafiado desacompanhadamente num quarto escuro; deflagram-se processos sensoriais amargos, é como estar num apartamento de 50m² e paradoxalmente ter a perceptibilidade de estar dentro de um imenso castelo onde vozes causam ecos solitários e confusos, confundindo-se com vozes amigas e reais, entretanto processos conscientes e impiedosos e/ou bondosos têm a radical missão de informar: Bem vindo á solidão.
Na dinâmica da vida a qualquer hora e a qualquer instante, qualquer pessoa de súbito sem que se perceba pode estar andando de mãos dadas com a ela [solidão], entretanto a grande questão é ter ciência de que quando, isto é, se algum dia ela chegar, não pode ser ignorada, fazer isso é abrir procedentes a muitas psicopatologias, de maneira que ninguém, absolutamente ninguém esta eucaristicamente blindado desse estado permanente ou transitório.
À asserção desse ensaio é justamente destacar a pedagogia da solidão, e mostrar que esse processo pode ser benéfico e enriquecedor. Para encarar e ponderar essa proposição, é necessário evitar polaridades; Renato Russo dizia: “Diga o que quiserem, o mal do século é a solidão”. De fato a muita propriedade nessa frase, porém coloca a solidão como uma condição ou um estado de ser, e isto aniquila possibilidades [...].
De igual forma a pessoa que se entrega a solitude, e faz a opção de estar ou ficar sozinha também corre o sério risco de passar a ver a vida mais cinza. Fazer da solidão algo ignoto da mesma forma não é saudável, devido ao fato de ser uma realidade presente, principalmente na pós-modernidade ou modernidade tardia. Há pessoas que estão em solidão sozinhas, como também há pessoas solitárias em meio à multidão.
Quem sabe a grande derrocada relacional esta justamente nessa pseudo válvula de escape, achar que estar cercado de pessoas pode trazer satisfação afetiva. A busca por prazer nas grandes baladas promovida por essa sociedade do entretenimento tem ocasionados processos retardativos solitários, e tem camuflado o vazio existencial na alma humana.
A solidão tem caráter pedagógico, quando em surgindo não fugir dela, pelo contrário ela deve ser encarada, sem esquivar-se ou maquiar-se com o pancake da efêmera maneira de se viver. Nesse sentido a solidão pode se apresentar como uma espécie de tutor, incitando a rever atitudes, ensinando a ponderar situações, açular viagens internas na tentativa de descobrir quem de fato nós somos, de que material somos feitos, a solidão possibilita ouvir vozes internas que silenciosamente grita para que tão logo se aprenda a se relacionar de maneira profundamente amorosa.
Atravessar esse processo de solidão se assemelha a travessia de um deserto, o deserto pode ser entendido como um simbolismo nas mais variadas situações da vida, atravessá-lo significa enfrentamento, aqui o oponente é caracterizado como ausência de algo ou alguma coisa que tem muito sentido na vida. Todavia ninguém que consegue atravessar um deserto sai do outro lado na mesma maneira que entrou, a pessoa sai do outro lado mais forte, na aplicação literal com a musculatura mais desenvolvida, com uma melhor resistência respiratória [...].
Do mesmo modo atravessar o processo da solidão, jogar limpo com a consciência, enfrentar os fantasmas do silêncio, possivelmente há de se sair do outro lado mais forte, mais amável, mais afetivo e com uma capacidade muito maior para se relacionar com o outro. Cristo no jardim do Getsêmani teve que enfrentar a solidão, ao perceber que as pessoas amigas a quem estavam com Ele, concomitantemente estavam ausentes devido ao fato de estarem dormindo, de modo que Cristo chama à atenção deles [...].
Entretanto Cristo apesar de passar por esse e outros vários processo de solidão, foi aquEle a quem mais se relacionou, a ponto de nos ensinar que a nossa vida só faz sentido no outro; salvo surtos possessivos, quanto, mais intenso for o processo relacional, mais satisfeitos e realizados nos sentiremos.
Carlos Drummond de Andrade deixou registrado: “Admiro nos vegetais a carga de silêncio, Luís Maurício – Mas há que tentar o diálogo, quando a solidão é um vício.”
*Bacharel em Teologia
Graduando Psicologia
Pós-graduando Metodologia da Ação Docente
Nenhum comentário:
Postar um comentário