quinta-feira, 15 de abril de 2010

Dar Dízimos e Ofertas para Igreja é dar Dízimos e Ofertas para Deus? / II

*Por Anderson Souza

O canal Futura em uma de suas campanhas publicitárias veicula a seguinte frase “Não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas”. De fato as pessoas têm um afã muito grande em obter respostas, o ser humano desde que mundo é mundo busca por resoluções, sempre na boa (ou não) intenção de sedar as mais intrigantes indagações, sejam verbais ou mentais.

A resposta a interrogativa feita na construção do título, de fato pode levar alguém a honra pela coragem do embate, ou levar a cabeça a guilhotina, em função dessa temática se encontrar no campo da conflitualidade. Entretanto, em função da espiritualização, da sacralização e a cristalização do dízimo no decorrer dos anos, urge a necessidade de engavetar as ânsias de repostas, e debruçar em cima de perguntas e indagações que permitirão uma viagem histórica, bíblica e teológica, na busca esclarecedora proporcionado pelo Espírito de Deus.

A palavra dízimo é extraída do vocábulo hebraico maasor, que aparece dezenas de vezes no Antigo Testamento e não mais que uma dezena de vez no Novo Testamento. É um termo matemático que inquestionavelmente significa 10%, ou a décima parte; essa décima parte não correspondia ao dinheiro como habitualmente conhecemos hoje. Os dez por cento veterotestámentario eram de característica agropastoril, usualmente do produto da terra, separados no final da colheita juntamente com gados e em geral destinado ao sacerdote ou templo. Essa prática de dizimar oscilava na entrega, pois diferentemente dos dias de atuais que a entrega é mensal, a sua entrega era ou anual ou a cada três anos.

Deve-se entender que o termo dízimo não é propriedade e nem exclusividade do sistema religioso, segundo Colin Brown (p. 594, 2000) o dízimo era um costume muito antigo, possivelmente de data anterior a história de Israel, não confinado aos povos semíticos, mas incluindo os povos indo-germânicos, entre outros povos circunvizinhos. Dessa forma não há muita clareza nas fontes existente quanto ao fato do dízimo ter sido escolhido para “imposto” sagrado, historicamente isto não fica claro.

O dízimo aparece no contexto religioso com o personagem de Abraão, e a primeira referência bíblica é registrado no livro do Gêneses e a última referência ainda no Antigo Testamento esta no livro de Malaquias. Uma leitura descuidada dos textos bíblicos incorre-se o risco de empacotar o dízimo dentro do mesmo recipiente do entendimento, sem observar suas variações semânticas.

É exatamente isso que tem acontecido, quando alguém ou um membro toca no assunto do dízimo, na intenção de participar como sujeito ativo no Reino de Deus, a perceptividade que se tem é que automaticamente se instala um cenário hostil, muitos líderes e até mesmo fiéis ficam coléricos, porque pressupõem que suas supostas “verdades” estão sendo atacadas. É importante mencionar que o conhecimento não pode ser cristalizado, e sim entrar num processo de desconstrução e reconstrução, justamente porque muitas vezes a interpretação dos textos bíblicos não tem sido criteriosa quanto ao campo hermenêutico nem ao menos biblicamente coerente, e sim conveniente com a interpretação institucional.

De acordo com Brown (p. 594, 2000) no decorrer da história o dízimo passou ter uma combinação do secular com o sagrado; no secular por vezes o dízimo era um assunto político, uma espécie de imposto pago aos reis pelo povo, ou cobrado pelos conquistadores de nações conquistadas. Prova disto é que nos relatos bíblico-históricos mostra que na Babilônia durante o reinado de Nabucodonosor II, todos inclusive o rei pagava o dízimo, sem necessariamente ser religioso. Basta um pouco de dedicação e interesse para observar que existem inúmeros relatos quanto ao dízimo como imposto. Navegando pela rede mundial de computadores/WEB é possível encontrar uma definição no portal Wikipedia justamente sobre esse desdobramento:

No livro bíblico de 1ª Samuel, a história da transição do regime administrativo do Estado Israel da teocracia para monarquia, indica uma origem do significante e não somente do significado do termo "dízimo": Insatisfeito com as ingerências dos filhos do líder teocrático Samuel, uma comissão, nomeada pelo povo, pediu um rei e Samuel protestou, alegando que um rei dizimaria o melhor do PIB da população, nota-se o sentido de "consumir" na palavra "dízimo", o imposto único de Israel, quando no governo monárquico, chamava-se dízimo e era estipulado pelo rei, cujo percentual de cobrança era determinado de forma arbitrária pelo mesmo; O imposto era então depositado na "Casa do Tesouro", uma espécie rudimentar da "casa da Moeda", e localizava-se dentro do templo de Salomão, em Jerusalém, capital do Reino. Pode-se dizer que o dízimo era um imposto régio, com conotações religiosas, incisivas às pessoas, pelo seu caráter compulsório e de cunho religioso, por isso, em regimes não-teocráticos, como o do mundo ocidental, o dízimo não tem razão de ser, pois a carga tributária está inserida na produção e serviço e as contribuições voluntárias bastam para a manutenção do sistema religioso.

É óbvio que a Wikipédia não é um site teológico e que nem todo o seu conteúdo é tido como fonte confiável, entretanto a respeito da temática em que está sendo trabalhada, ela possui coerência teológica e subsídio bíblico e histórico. Essa leitura crítica-reflexiva, quebra a idéia de que o dízimo era somente um ato de fé. Sim, em alguns casos até poderia ser, fosse um ato de fé ou de gratidão, isso é inegável, porém, de acordo com os relatos históricos, o dízimo era mais que um ato de fé era uma obrigatoriedade, o que não anula a fé. Portanto saber disso faz toda a diferença, porque agora, a contribuição não passa ser uma mecânica, muito menos uma barganha, mas sim uma atitude voluntária e consciente.

Esse ensaio, não é um ataque diretamente ao dízimo, muito menos uma apologia à atitudes mesquinha e egoístas, de pessoas que não contribuem com o Reino de Deus. É muito óbvio que no sistema atual denominado Capitalismo, a mediação financeira se da através do dinheiro, de maneira que não é preciso que atualmente os fiéis entregue sacas de grãos (milho, arroz, feijão, etc.), ou gados e novilhos para a igreja. É coerente e legítimo que as contribuições sejam em dinheiro, inclusive há a necessidade da contribuição, seja como dízimos [não como lei, mas como graça e amor], ou como ofertas. Entretanto os valores arrecadados não são para manter um modus vivendi de regalias, nem tão pouco para construir palácios bem ornamentados, até porque, esta registrado na Bíblia no livro de Atos dos Apóstolos: “Que Deus não habita em santuários feito por mãos humanas [...]”, mas sim habita no SER igreja; as contribuições seja ela qual for é para facilitar a vida humana, ajudar o próximo [os orfãos, as viúvas, os pobres, os mendigos e todas as pessoas necessitadas], investir em pessoas. Enteder a igreja é enteder que a igreja é cada um que tenha Jesus como Senhor e Salvador, seja o rico, mas também o pobre; o próspero empresário, mas também o favelado marginalizado; o grande líder religioso, mas também o leigo analfabeto e ignorante; porque um dos princípios do Evangelho não é o TER mais sim o SER.

[continua...]

*Bacharel em Teologia
Graduando Psicologia
Pós-graduando Metodologia da Ação Docente

Referência:
BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000.
www.wikipedia.com.br

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