domingo, 10 de novembro de 2013

Corpo - psique-alma-mente

Pudores podres, podres pudores,
organizados e servidos como pâte brisé, ainda que saborosos.
Não obstante, as instintualidades são maquiadas de composturas,
excitações são camufladas por axiomas
e as inquietudes são docilizadas.
São muitos senhores, no entanto, todos frágeis na tentativa de refrear os desejos.
Assim, para acalmá-los, organizam-se distrações e entretenimentos,
na aposta de instituir uma pseudosensação de bem-estar.
A angústia não se intimida e a sua chega não tarda,
hospeda-se e não encontra resistência,
aliás, o resistir é a reinvindicação do direito ao usucapião do corpo.
Corpo! Espécie de templo sagrado na contemporaneidade.
Templos bonitos, sofisticados, fortes, e cultos, porém, frágeis,

vencidos por uma psique-alma-mente ostracizada.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A mulher que salvou Freud dos nazistas


Marie Bonaparte e Sigmund Freud
Tive acesso, dias atrás, a uma entrevista concedida por Sigmund Freud ao jornalista americano George Sylvester Viereck; o inusitado deste acontecimento é o fato desta entrevista ter sido concedida em 1926, quando Freud ainda vivia na Áustria e que havia sido considerada como perdida, até sua publicação em 1957.

Trata-se de um “tour de force” entre o jornalista e o pai da psicanálise; variada gama de assuntos são trazidos à baila; Freud “ouve pacientemente cada intervenção, não procurando, jamais, intimidar o entrevistador; ele tem que dizer a verdade a qualquer preço”.

Dentre os tópicos discutidos, destaco a sua posição a favor do psicanalista leigo: “Os médicos dos Estados Unidos e alguns da Europa, procuram monopolizar para si a Psicanálise. Seria um perigo para a psicanálise deixá-la, exclusivamente, nas mãos dos médicos.”

Conhecendo-se a vida de Freud, podemos entender esta sua posição como sendo  uma intenção de defender muitos dos seus amigos da primeira hora, aqueles que, sem serem médicos, acreditaram e abraçaram suas teorias em uma época de franca contestação por parte da classe médica europeia, especialmente da austríaca; só para ficar em dois exemplos citaria duas famosas psicanalistas, ambas formadas por Freud e que não eram médicas: Marie Bonaparte, sobrinha-neta de Napoleão Bonaparte e a bela russa Lou Andréas Salomé. 

Em alguma outra oportunidade voltarei a discutir com meus leitores a presença de Lou Andréas na vida de Freud, para o momento gostaria de me ater ao título do texto e resumir a participação da princesa Marie Bonaparte na fuga que Freud empreendeu da Áustria, fugindo dos nazistas.

A princesa Marie Bonaparte vivia na França e era, quando conheceu Freud em 1925, casada com um príncipe grego e estava à beira de uma terrível depressão por se acreditar frígida; com alguma dificuldade, devida à inacreditável e sempre repleta agenda do já famoso pai da psicanálise, conseguiu marcar uma consulta.

Após frequentar sessões de análise, quase que diariamente e por mais de três meses, em seu consultório à rua Berggasse em Viena,  viu-se curada da problemática que a afligia; por isto adquiriu, como sói acontecer com muita frequência, uma inacreditável afeição pelo seu benfeitor e pela sua obra, acabando, inclusive, por se tornar uma psicanalista renomada.

Em 1938 aconteceu a anexação da Áustria à Alemanha nazista; Marie percebendo, com antecedência, o perigo que Freud corria, por ser judeu, veio de Paris para tentar convencê-lo a fugir, porém, seus argumentos não eram, para ele, convincentes.

“Já desempenhei o meu papel. Agora sou um velho doente que encontra no trabalho um pouco de diversão para enfrentar a dor. Enquanto me deixarem fazer meu trabalho...
Eles o proibirão de exercê-lo!
Escreverei
Escreverá livros que eles não deixarão publicar!
Por outro lado, será que o senhor não compreende que o senhor é a psicanálise?

Se morrer, ficarão meus discípulos!” (Freud e a princesa Bonaparte, F.O. Rousseau, 1947).
Um episódio, no entanto, acabou por convencê-lo da necessidade de fugir: a terrível Gestapo prendeu sua filha Anna a pretexto de vasculhar o escritório da editora da Revista de Psicanálise; a partir daí, foi uma corrida contra o tempo, era iminente a prisão de Freud; Marie conseguiu, por intermédio da embaixada da Grécia, telefonar para o embaixador dos Estados Unidos na França, contando-lhe o que estava acontecendo; em seguida passa a informação para a imprensa de todo o mundo.

Em maio de 1938 Marie deu início à difícil tarefa de conseguir vistos de saída para várias pessoas, onde incluía, além da esposa de Freud, sua cunhada, sua filha, seu médico e duas empregadas domésticas.

Duas personalidades foram fundamentais para o sucesso da empreitada, o presidente Franklin D. Roosevelt que convocou o embaixador alemão em Washington para solicitar, oficialmente, a liberação dos vistos e, por incrível que pareça, Benito Mussolini, chefe do fascismo na Itália e aliado de Hitler, que enviou telegrama à chancelaria alemã, pedindo notícias de Freud.

Freud e sua família viajaram de trem; desembarcaram em Paris na gare L’Est, onde uma multidão de pessoas os aguardavam; Marie Bonaparte estava lá! (uma fotografia da época mostra-a com seu perfil alto e elegante, trajando uma estola de pele no ombro, um chapéu com arranjos de flores e um vestido, aparentemente de seda, cheio de plissados, segurando o braço de Freud, para facilitar sua caminhada.

O resto da história é por demais conhecida, depois de Paris Freud viajou para Londres onde viveu até falecer, em setembro de 1939; poucos meses antes de morrer, Freud escreveu uma bela carta a Marie e que está inserida na coletânea publicada pelo seu filho Ernest L. Freud:  

“Não lhe escrevo há muito tempo. Suponho que você saiba por que, e possa até constatar pela minha caligrafia (nem a caneta é mais a mesma; como meu médico e outros órgãos externos, ela me deixou). Não estou bem; minha doença e as sequelas do tratamento são responsáveis por este estado, mas em que proporção eu não sei. As pessoas estão procurando embalar-me em uma atmosfera de otimismo, dizendo que o câncer está diminuindo e que os sintomas de reação ao tratamento são temporários. Eu não acredito e não gosto de ser enganado. Algum tipo de intervenção que interrompesse esse processo cruel seria muito bem vindo. Abraço afetuoso, penso muito em você!”

(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e Academia Goiana de Medicina)